É, não sou

Não sou daqui
Clarissa Corrêa

Às vezes fico pensando se pertenço mesmo a este lugar. Por favor, não pense que me acho melhor do que você. Nada disso: me acho pior, muito pior. Sou uma eterna inconformada.
 

Minha insatisfação surge com coisas simples, para alguns até banais. Nada me deixa mais boquiaberta do que falta de educação, respeito e solidariedade. A vizinha viu que você está andando pelo corredor do hall de entrada do edifício, ou seja, também vai entrar no elevador. Mas ela te ignora, entra no elevador e vai embora. E você fica ali, feito uma pateta, esperando o próximo.

Você dá bom dia para o caixa do supermercado e ele finge que não ouve. E você fica ali, feito uma pateta, se sentindo ridícula por falar com as paredes. Você está saindo do consultório médico e tem outra pessoa chegando. Ela não entende que primeiro um tem que sair para depois o outro entrar. Por isso, te atropela, querendo entrar no momento em que você sai. E você fica ali, feito uma pateta, se sentindo desrespeitada.

 

Você está caminhando, na chuva, com seu guarda-chuva amarelo de bolinhas pretas, e outra pessoa simplesmente abre o guarda-chuva sem olhar para os lados, sem ver se vai machucar alguém, sem prestar a menor atenção nos outros. E você fica ali, feito uma pateta, observando a cena e agradecendo por não ter ficado cega pela ponta do guarda-chuva da pessoa sem noção. Você está passeando no parque, com seu cachorro, e vê que outra pessoa, que também passeia com o cachorro, não junta os cocozinhos dele do chão. E você fica ali, feito uma pateta, pensando se junta ou não o coco do cachorro alheio.

 

Isso sem falar na falta de educação no trânsito, já que todo mundo quer chegar primeiro; na falta de educação na fila, já que todo mundo quer ter vantagem; na falta de educação no estacionamento, já que muita gente estaciona em lugares não permitidos; na falta de educação no avião, já que muita gente chuta sua poltrona sem parar; na falta de educação no cinema, já que tem gente que fica tagarelando o tempo inteiro; na falta de educação na sala de aula, já que tem gente que não sabe que “enquanto um burro fala o outro deixa as orelhas baixas”.

 

Isso sem falar nas pessoas que não têm a menor intimidade com você e comentam a respeito da sua roupa, seu cabelo, seu modo de ser. Que te olham dos pés a cabeça, com ares de julgamento. Que fazem comentários maldosos e gostam de uma suculenta fofoca. Isso sem falar em quem ignora a dor do outro. Em quem finge que não vê o morador de rua passando frio ou fome. Em quem só se preocupa com a sua vida. Isso sem falar no estado da saúde, na crise socioeconômica que estamos vivendo, no caos que estamos atravessando.
 

Não adianta, não sou deste mundo. Mas sei, sei mesmo, que preciso aprender a conviver com tudo isso.